Sábado, fui andar na
praia em busca de inspiração para meu artigo de jornal. Encontro duas amigas no
calçadão do Leblon:
- Teu artigo sobre
amor deu o maior auê... – me diz uma delas.
- Aquele das mulheres
raspadinhas também... Aliás, que você tem contra as mulheres que barbeiam as
partes? – questiona a outra.
- Nada... – respondo.
– Acho lindo, mas não consigo deixar de ver ali nas partes dessas moças um
bigodinho sexy... não consigo evitar... Penso no bigodinho do Hitler, do
Sarney... Lembram um sarneyzinho vertical nas modelos nuas... Por isso, acho
que vou escrever ainda sobre sexo...
Uma delas (solteira e
lírica) me diz:
- Sexo e amor são a
mesma coisa...
A outra (casada e
prática) retruca:
- Não são a mesma
coisa não...
Sim, não, sim, não,
nasceu a doce polêmica ali à beira-mar. Continuei meu cooper e deixei as duas
lindas discutindo e bebendo água-de-coco. E resolvi escrever sobre essa antiga
dualidade: sexo e amor. Comecei perguntando a amigos e amigas. Ninguém sabe
direito. As duas categorias trepam, tendendo ou para a hipocrisia ou para o
cinismo; ninguém sabe onde a galinha e onde o ovo. Percebo que os mais “sutis”
defendem o amor, como algo “superior”. Para os mais práticos, sexo é a única
coisa concreta. Assim sendo, meto aqui minhas próprias colheres nesta sopa.
O amor tem jardim,
cerca, projeto. O sexo invade tudo isso. Sexo é contra a lei. O amor depende de
nosso desejo, é uma construção que criamos. Sexo não depende de nosso desejo;
nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém
sofre de tesão. O sexo é um desejo de apaziguar o amor. O amor é uma espécie de
gratidão posteriori pelos prazeres do sexo.
O amor vem depois, o
sexo vem antes. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça
nos perde. O amor precisa do pensamento.
No
sexo, o pensamento atrapalha; só as fantasias ajudam. O amor sonha com uma
grande redenção. O sexo só pensa em proibições: não há fantasias permitidas. O
amor é um desejo de atingir a plenitude. Sexo é o desejo de se satisfazer com a
finitude. O amor vive da impossibilidade sempre deslizante para a frente. O
sexo é um desejo de acabar com a impossibilidade. O amor pode atrapalhar o
sexo. Já o contrrário não acontece. Existe amor sem sexo, claro, mas nunca
gozam juntos. Amor é propriedade. sexo é posse. Amor é a casa; sexo é invasão
de domicílio. Amor é o sonho por um romântico latifúndio; já o sexo é o MST. O
amor é mais narcisista, mesmo quando fala em
“doação”. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo no egoísmo. Amor e sexo são
como a palavra farmakon em grego: remédio e veneno. Amor pode ser veneno ou
remédio. Sexo também – tudo dependendo das posições adotadas.
Amor é um texto. Sexo
é um esporte. Amor não exige a presença do “outro”; o sexo, no mínimo, precisa
de uma “mãozinha”. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até mas
sozinhos, na solidão e na loucura. Sexo, não – é mais realista. Nesse sentido,
amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. Amor muitas
vezes e uma masturbação. Seco, não. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora, o
amor vem de nós e demora. O sexo vem dos outros e vai embora. Amor é bossa
nova; sexo é carnaval.
“O sexo é uma selva
de epiléticos” ou “O amor, se não for eterno, não era amor” (Nelson Rodrigues).
O amor inventou a alma, a eternidade, a linguagem, a moral. O sexo inventou a
moral também do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge. O amor tem algo de
ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais
quieto, como um caubói – quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem:
“Faça amor, não faça a guerra”. Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o
ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar
a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas... O amor fala muito. O sexo
grita, geme, ruge, mas não se explica. O sexo sempre existiu – das cavernas do
paraíso até as saunas relax for men. Por outro lado, o amor foi inventado pelos
poetas provinciais do século XII e, depois, revitalizado pelo cinema americano
da direita cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é
poesia. Amor é mulher; sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti
consigo mesmo. O amor domado protege a produção. Sexo selvagem é uma ameaça ao
bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controla-lo é
programa-lo, como faz a indústria das sacanagens. O mercado programa nossas
fantasias.
Não há saunas relax
para o amor. No entanto, em todo bordel, FINGE-SE UM “AMORZINHO” PARA INICIAR.
O amor está virando um “hors-d’oeuvre” para o sexo. O amor busca uma certa
“grandeza”. O sexo sonha com as partes baixas. O PERIGO DO SEXO É QUE VOCÊ PODE
SE APAIXONAR. O PERIGO DO AMOR É VIRAR AMIZADE. Com camisinha, há sexo seguro,
MAS NÃO HÁ CAMISINHA PARA O AMOR. O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do
pecado. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados. Sexo precisa
da novidade, da surpresa. “O grande amor só se sente no ciúme” (Proust). O
grande sexo sente-se como uma tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de
esquerda (ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de
direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era
careta). E por aí vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos afastar da morte. Ou
não; sei lá... e-mails de quem souber para o autor.
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